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13 de mai. de 2013

Resenha: TRÊS SOMBRAS

Três sombras (Quadrinhos na Cia., 2011)


Prestes a desistir da carreira de roteirista/quadrinista, por conta da decepção que teve com seu trabalho lançado em 2006 (seu primeiro trabalho escrito e desenhado inteiramente sozinho), Les Cœurs solitaires, completamente ignorado pelo público e crítica, o francês de origem portuguesa Cyril Pedrosa, decidiu dar sua última tacada, a HQ com ares de livro de fábula infantil Três Sombras: que conta a história de Joachim, um menino feliz que vive com seus pais num casebre no campo e que levam uma vida tranquila, até aparecer a figura de três sombras no alto de uma colina, o que acaba com a harmonia dessa família e os enche de medo e de dúvidas.




Na verdade, a HQ explora mais as questões como lidar com as perdas da vida, o medo do desconhecido e a sabedoria inocente de uma criança e seu fantasioso mundo que contrasta com as inquietudes e a aspereza da vida adulta. A dúvida de quem eram essas figuras misteriosas e o terror que aumenta a cada tentativa de aproximação levam ao pai de Joachim a descobrir que eles estão ali por causa do garoto, aparentemente querem levá-lo embora, e isso faz com que ele fuja com seu filho em uma viagem desesperada, vivendo aventuras típicas de lendas infantis, conhecendo um novo mundo, onde as pessoas não são tão boas como eles estão acostumados e sempre com a possibilidade de estarem sendo seguidos pelas sinistras sombras.

Inspirada em uma história próxima, que se sucedeu com amigos do escritor, Três Sombras foi vencedora de dois prêmios do mais importante evento de quadrinhos da França, o Festival de Angoulême, além de ter sido um grande sucesso de crítica. Talvez fosse difícil explicar o porquê de essa obra ser tão especial assim, ainda mais depois tantos trabalhos rasos (segundo críticas) de Pedrosa, trabalhos que não receberam tanta atenção, mas o fato é que a aventura de Joachim, que patina um pouco em se tornar memorável, é de encher os olhos e o coração, tanto pelos incríveis desenhos quanto pela força do roteiro, onde os traços bem trabalhados de Pedrosa casam muito bem com uma história muito tocante. Isso porque sutilmente explora questões filosóficas, éticas e morais e lida com assuntos como a perda de um ente querido e a dificuldade que temos em lidar com isso.


Cyril Pedrosa já trabalhou como animador nos estúdios Disney, em desenhos como O Corcunda de Notre-Dame e Hércules, e isso certamente influenciou seu traço e o modo de trabalhar como quadrinista, pois nessa obra é possível ver seus ótimos enquadramentos e a movimentação que dá a leitura dos quadrinhos. O traço marcante, em preto e branco, meio que em pinceladas de nanquim acabou se tornando tão impactante e importante quanto o texto dessa bela fábula. Na verdade, às vezes, dá impressão de que aquilo ali são rabiscos de storyboard, prontos para virar animação!


Todavia, parece haver uma busca por outras modalidades no desenho com o lápis e/ou pincéis, pois em certos pontos o artista utiliza fundos negros moldando-se com traços brancos, lembrando bem a linogravura, assim como outros vários planos que ele segue outros caminhos...

Mas a escolha disso não foi só artística. Segundo o artista, o pincel seco também teve razões financeiras. Uma, pra ser mais rápido e não ficar passando por processor de colorização e outra porque o roteiro teve que ser estendido, e dessa maneira ele se sentiu mais livre para soltar a mão!

O livro é um misto de alguns gêneros literários do mais clássico ao cênico, ao mesmo tempo em que pode ser considerado realista, pode ser visto como fantástico, como o mais fabuloso gênero “capa e espada”, com piratas o povoando, ou aquela fantasia mais puxada para o mistério com doses pequenas de terror. Temas que já são meio que tradição nas “bandas desenhadas européias”.



Cyril é responsável por Portugal, outra obra de qualidade do autor (já havia mencionado ela aqui) que também conta algo relacionado a experiências pessoais e teve relativo sucesso na Europa, especialmente em Portugal e França!

Enfim, Três Sombras é uma história de um amor paternal, de sacrifício, que qualquer pai se proporcionaria na defesa de seu filho, face ao inevitável destino que se mostra ao seu pequeno filho, anunciado pelas figuras misteriosas de três cavaleiros. Antes do final, dá pena da forma como as coisas se dão, mas a grande lição é que a vida certamente continua e só depende de quem fica administrá-la da melhor forma!



Vale muito a pena a leitura. Bom livro.
Nota: 8



Leia um trecho em pdf: http://www.companhiadasletras.com.br/trechos/65024.pdf

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