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11 de nov. de 2006

NigerFish




Sentado em seu luxuoso apartamento da Madison Ave com a 55, com uma “beca” impecável, com sua grande e reluzente corrente com a inscrição da família Fish, enquanto bebericava uma tequila oro, a luz do final do dia bate na grandiosa janela da sala e ilumina as obras dispostas no chão de madeira brilhante, ele pára e por um instante, fita pensativo o centro do teto, mais especificamente o ventilador que gira a baixa rotação.
Sinceramente, pensei que por causa da pergunta, aliás a última que fazia depois de quase uma hora e meia de entrevista, uma entrevista que já durava bem mais do que ele geralmente se permitia, ele ficara parado tentando responder da melhor maneira ou quem sabe já incomodado com uma pergunta não tão agradável para uma última pergunta. Já estava achando que o cara tinha ido muitíssimo com minha cara e provavelmente nos tornaríamos grandes amigos, mas depois dessa, achei que tava na roça...

- Porra...- disse finalmente.
O silêncio que se segue é o pior! Achei que ele ia levantar com tudo de seu sofá roxo ultra-confortável, pegar meu gravador e me “chacoalhar” pra fora do seu apartamento.
- Mas que porra!..
A situação continuava piorando e a tensão aumentava. Já pensava em me atirar pela janela. Já tinha notado que ali havia uma escada de emergência que amenizaria um pouco a queda.
Corri os olhos por todo apartamento e percebi que não haveria escapatória, tinha que enfrentar a situação com um homem!!!É...como homem!

Aquilo é um cinzeiro de metal?

Pensar que em menos de 1 hora e meia antes, estava no ápice da entrevista, tinha tirado tudo dele, muita coisa que ele havia confessado era completamente inédito e esmagador. Eu, já pensando nos futuros prêmios que ganharia, provavelmente toda aquela fantasia sobre Pulitzers e etc., tinha subido muito a minha cabeça e em vez de calar minha grande boca e encerrar com um sorriso agradável, cumprimenta-lo pela paciência e presteza, e deixar que ele com todo seu orgulho de ator famoso, me dissesse que era um prazer me receber em sua casa, depois me falaria de toda sua boa vontade e superior ciência de que eu era a ponte até seus fãs e apesar de estar super atrasado para a viagem que havia marcado há tempos, as tão merecidas férias de fim de ano, que após estrelar 5 filmes no mesmo ano e ter sido indicado em todos eles a algum desses prêmios importantes, a entrevista teria sido muito importante pra ele.
Pena ter que ir no momento até sua ilha particular no Pacífico Sul para jogar algumas partidas de golfe com seus amigos e não tão amigos, cirurgiões, empresários, artistas plásticos e outras celebridades que costumam encostar em verdadeiras celebridades genuínas, mas gostaria de ir com a alma lavada.

Aliás foi isso que ele diria mais tarde, com certeza.

Depois de estrelar seu grandioso último filme “Big Fish e outras histórias”, onde faz o papel de um... bem você provavelmente sabe, todo mundo assistiu esse grandioso filme dirigido por Tim Burton, certo?
NigerFish sobrepujou de forma magistral um dos atores principais do filme, Ewan McGregor e nos deu a oportunidade de vê-lo brilhar em toda sua mágica performance.

Entrevista-lo agora estava no topo de qualquer lista de ação de qualquer que fosse o repórter dessa cidade. Chegar aqui foi fácil.
Tenho contatos e provavelmente, William, o porteiro, seria a primeira pessoa que me reconheceria assim que me achassem espatifado na calçada de frente do prédio.
Cheguei junto a NigerFish, quando passava por seu ap. para pegar umas coisas antes de botar o pé, digo, as barbatanas na estrada.
Convence-lo da entrevista foi mais fácil ainda.
NigerFish, apesar de ser uma daquelas criaturas de botar medo, pela altura e definição dos músculos, era um grande “boa praça” garantiam alguns amigos.
E era verdade. Sempre sorrindo e simpático.
Foi por isso mesmo que fiquei totalmente apreensivo e assustado quando de repente ele fechou a cara depois da fatídica pergunta.

Pois é, agora era hora de encarar a fera e descobrir por que o chamavam de grande trem negro do meio oeste.

Meus pensamentos foram interrompidos por uma voz que parecia mais um ribombo de trovão, um volumoso e grave:
- Pota queu parêu, caray!

Juro que se não tivesse a três dias me alimentando mal, todo aquele suor que escorria pelas pernas, seriam muito mais do que um simples líquido sudoríparo.

Tentava lembrar a todo minuto o que aprendi com meu professor de literatura, que: "O incentivo de viver é arriscar, deixe o medo para os fracos."
Eu era mesmo um fraco!

"Se a vida tiver que lhe ensinar algo, com certeza será pelo modo mais difícil." – lembrei

Ele olhou novamente para mim com seus grandes olhos verdes e disse finalmente:
- “Como pode?”
O sofá onde estava sentado era forrado de um plástico, que por todo suor que já tinha escorrido, tinha feito uma simbiose com minhas costas e me sentia tão grudado quanto o arroz que costumava comer no Hu Jin Suey em Chinatown. Sabia que não daria tempo mesmo de me levantar, pedir desculpas, e tentar alcançar a porta num único segundo...estava lascado!!
Tremendo, sem saber ao certo o que dizer, ao certo, balbuciei:
-“O-olha...me desculpa, eu...olha, eu...”
-“Você não vê? Não percebeu?” – disse Niger me encarando enquanto eu afundava no sofá – “Mandei aquele bando de cabrón instalar novamente meu ventilador de teto, e os caras me fazem esse serviço de mierda? As pás estão completamente tortas!! NY não é a mesma desde que esses chicanos começaram a levar suas vidas por aqui! Esses burritos só servem para fazer Guacamole!”

Não sei se foi alivio instantâneo que me fez levantar com a mesma facilidade com que desliguei meu gravador, mas o fato é que, apesar de saber sobre suas raízes, raízes essas que Niger fazia questão de escamotear, vi que não há nada tão frágil quanto o sucesso.

Tudo não passou de milésimos de segundos, entre a sala e a porta de saída, nem me lembro de ter descido pelo elevador, mas levo uma grande história, para pensar enquanto pego o metrô pra casa...
"A vida é curta, a arte é longa, a experiência enganosa, a oportunidade fugaz e o julgamento difícil."

Isso é frase de efeito de alguém, acho. Mas tá valendo como perfeita e se encaixando como uma luva...

Não.

Penso quando tive a oportunidade de encontrar, sem querer, no portão do prédio com o velho William, um dos melhores gaiteiros de Blues do Mississipi na minha opinião, e coincidentemente ver um grande ator, badalado, chegando a pé, simples como qualquer ser humano, pensei: “Que personalidade!”.
Logo quis subornar o velho William para que me facilitasse a entrada, mas ele não abriria exceção nem prum velho amigo que não via a muito.
É lógico, que como disse antes, Niger queria ser entrevistado...precisava disto!
Eu era a ponte!!!

Foi gentil e me pediu pra entrar.
“Que personalidade!”
Fiquei puto com a decisão de William melar minha entrevista. "Blueszeiro" de merda!

Tudo mudou depois do lance do ventilador.
A personalidade tem o poder de abrir portas, mas é o caráter que as mantém abertas.
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Texto: Visentini
Desenho: Vini

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